sábado, 15 de dezembro de 2012

CORRETAGEM, SATI E JUROS ANTES DAS CHAVES SÃO CONSIDERADAS ILEGAIS PELA JUSTIÇA

Por Vanessa Baggio (Advogada)


As decisões judiciais ainda não são unânimes, mas, aos poucos os juízes estão sendo alertados para o verdadeiro “conluio criminoso” entre as construtoras e intermediadoras de vendas de imóveis na planta.


 
Não é a CORRETAGEM em si que é ilegal, mas a forma como ela é “repassada” ao adquirente, como típica venda casada, ou, simplesmente, como “parte da entrada do imóvel” – o que demonstra claramente o ardil imposto ao consumidor que está prestes a realizar o sonho da casa própria.




O mesmo vem ocorrendo, no Judiciário, com o reconhecimento da ilegalidade dos “juros pré-chaves”, “juros no pé”, “CM Repasse” ou qualquer outra modalidade de juros imposta antes da entrega das chaves do imóvel e do efetivo financiamento bancário do imóvel. Cada construtora chama de um jeito, mas cobrar do consumidor ou repassar os custos do financiamento que a construtora fez com o banco para o adquirente é um verdadeiro absurdo.


 
As duas práticas acima referidas vinham sendo aceitas pelos Tribunais, pois são “comuns” nos contratos com as construtoras, mas a situação anda mudando, pois, apesar de ser praxe a imposição de tais contratações, a prática é abusiva, ilegal e há muito tempo já rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor.




A questão é bastante simplória :


 
O que é correção monetária? É o valor devido por quem usa o dinheiro de outrem a fim de que o mesmo não seja perecido pela desvalorização da moeda, correto? Pois bem : por acaso os consumidores utilizaram-se de dinheiro da construtora ou foi a construtora quem usou dinheiro dos consumidores?


E o que são juros? É o valor devido por quem usa o dinheiro (ou crédito) de outrem em proveito próprio, a fim de que o mutuante receba uma “remuneração” pelo uso desse capital. Pois bem: por acaso os adquirentes utilizaram-se de dinheiro da construtora ou foi a construtora que usou dinheiro dos adquirentes?


Ainda mais grave fica a situação quando esses juros continuam sendo cobrados e, na verdade, quem está em atraso é a construtora. Nesse caso nem os juros remuneratórios nem mesmo o INCC são devidos !


 
Por que o consumidor teria que pagar juros “do próprio dinheiro” por causa do atraso da construtora ?? É insano reconhecer que só porque tal cobrança consta em contrato possa ser tida como legal. E é justamente isso que os juízes, alertados pelas mais recentes teses dos escritórios especialistas, tem percebido nas ações propostas contra as construtoras.


Já no que diz respeito à taxa SATI (SAT, TI ou ASSESSORIA IMOBILIÁRIA) e as comissões de corretores, bem como os “demais serviços técnicostais valores devem ser pagos pela construtora que contratou tais serviços, ou seja, pelo vendedor do imóvel, não devendo ser suportada pelo consumidor, muito embora, como já se disse seja essa a prática do mercado imobiliário, que, inobstante, se mostra totalmente ilegal.


Na maioria das vezes, o adquirente chega no stand de vendas e o corretor já está lá... ou seja, não é comprador quem contrata os serviços e sim a construtora!


Mas, infelizmente, na prática, quem acaba pagando a comissão ? O adquirente... e o pior ocorre quando essa contratação é camuflada, pois é comum os corretores dizerem que o valor “faz parte da entrada do imóvel”.


Já não era sem tempo, mas também em relação a essa venda casada, os juízes já estão decidindo em favor do consumidor.


A decisão que vamos divulgar agora ilustra bem essa mudança de pensamento que, após árduo trabalhos dos especialistas na matéria, vem sendo adotada pelo Judiciário.


Eis as palavras do corajoso juiz Danilo Mansano Barioni sobre as ilegalidades da Construtora em uma ação (Processo nº: 0171499-29.2012.8.26.0100 – SP) recente, de Dezembro de 2012 :


 
Não é assim que a banda toca, ao menos não no coreto do Código de Defesa do Consumidor.”


 
Ainda, a prática espúria conjunta de construtoras, corretoras, administradoras, imobiliárias e empresas de suposta mediação e assessoria técnica de “empurrar goela abaixo” do consumidor serviços vinculados ao contrato de compra e venda de imóvel não é nova”


Por causa do brilhantismo da decisão, alguns de seus trechos merecem o devido destaque :



Processo nº: 0171499-29.2012.8.26.0100
Classe - Assunto Procedimento Ordinário - Interpretação / Revisão de Contrato
Requerente: Anderson dos Santos
Requerido: (OMITIDO)
A dvogada : Vanessa Baggio -OAB SP 211887
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Danilo Mansano Barioni



(...)A relação estabelecida nos autos é de consumo, não


há dúvida. O documento de fls. 52, qual seja, a proposta de preço e condições de


pagamento do apartamento adquirido pelo autor, chamariz para as vendas e que


determina o fechamento do negócio, efetivamente, antes mesmo da assinatura do


contrato, é firmado em papel timbrado da (OMITIDO), ou seja, da ré.



Obviamente isto não é feito sem propósito.


 
Sabe a ré que, que se arvora à condição de uma das maiores incorporadoras da América Latina, que assim inspira credibilidade nos consumidores, credibilidade esta determinante à consecução do negócio e que não inspirariam as inúmeras sociedades

de propósito específico (SPE) que cria a cada empreendimento novo que pretende

erigir, exatamente no intuito de limitar sua responsabilidade.(...)

O problema não está em criar SPE, pois a tanto estão

autorizadas pela legislação civil.


O que não se pode admitir e a lei não autoriza, sobretudo o microssistema erigido pelo CDC, é que a ré se valha de seu nome para divulgar e vender seus empreendimentos e após isto, na hora de eventual responsabilidade, pretenda usar a brecha legal para se ver livre de qualquer
responsabilidade.


 Não é assim que a banda toca, ao menos não no coreto


do Código de Defesa do Consumidor.


Aos bônus da utilização da utilização de sua marca,

seu nome, qual seja, a credibilidade determinante na comercialização dos

empreendimentos, somam-se, inexoravelmente, os ônus, consistentes na

responsabilidade por eventuais danos causados aos consumidores relacionados ao
específico empreendimento.


Têm a ré, portanto, legitimidade passiva, para todos

os pedidos, pois o valor da taxa SATI objurgado nestes autos é vinculado ao

compromisso de compra e venda.


(...)
Doutra parte, a jurisprudência do E. Superior
Tribunal de Justiça já se pacificou no sentido de que não é devida, por parte das
construtoras, a cobrança dos chamados “juros no pé”, que são os juros
remuneratórios incidentes sobre parcelas que se vencerem durante a fase de
construção da obra.
Neste sentido:


DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E


VENDA DE IMÓVEL. COBRANÇA DE JUROS COMPENSATÓRIOS DURANTE A OBRA. "JUROS NO PÉ". ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE EMPRÉSTIMO, FINANCIAMENTO OU QUALQUER USO DE CAPITAL ALHEIO. 1. Em contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, descabe a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel - "juros no pé" -, porquanto, nesse período, não há capital da construtora/incorporadora mutuado ao promitente comprador, tampouco utilização do imóvel prometido. 2. Em realidade, o que há é uma verdadeira antecipação de pagamento, parcial e gradual, pelo comprador, para um imóvel cuja entrega foi contratualmente diferida no tempo. Vale dizer, se há aporte de capital, tal se verifica por parte do comprador para com o vendedor, de sorte a beirar situação aberrante a cobrança reversa de juros compensatórios, de quem entrega o capital por aquele que o toma de empréstimo. 3. Recurso especial improvido. (STJ, 4ª. T., REsp 670117 / PB, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 14/10/2010


Este, em valor a ser aferido em sede de liquidação de sentença, devem ser restituídos.

Ainda, a prática espúria conjunta de construtoras, corretoras, administradoras, imobiliárias e empresas de suposta mediação e assessoria técnica de “empurrar goela abaixo” do consumidor serviços vinculados ao contrato de compra e venda de imóvel não é nova, e vem sendo há muito

condenada na jurisprudência, como ilustra o seguinte aresto:


Cobrança de serviços de assessoria técnicoimobiliária

(SATI) Ausência de informação clara e precisa sobe o serviço

prestado Cobrança indevida, conforme o art. 31 do CDC. Restituição do valor e

em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.” (Ap. 367.321-47-00, 7ª

Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Elcio Trujillo, J. 11/11/2009).



O autor jamais procurou qualquer corretora, nem

tampouco há comprovação de que lhe tenha sido disponibilizado qualquer serviço de

assessoria técnico imobiliária (SATI), mas sim a ré. Fecharam o negócio e, entre

o calhamaço de documentos que lhe foram apresentados estavam os documentos que dão ar de regularidade formal à contratação dos serviços de corretagem e

assessoria técnico-imobiliária, sobre os quais, na prática, não recebeu qualquer

explicação, orientação, alerta, nada.


(...) A restituição dos valores pagos a este título,


portanto, também se impõe.(...)



São decisões como essa que nos inspiram a continuar lutando em favor dos consumidores e enfrentando o poderio econômico das construtoras desse país !


 Vanessa Baggio