Por Vanessa Baggio
(Advogada)
Não é a CORRETAGEM em si que é ilegal, mas a forma
como ela é “repassada” ao adquirente, como típica venda casada, ou,
simplesmente, como “parte da entrada do imóvel” – o que demonstra claramente o
ardil imposto ao consumidor que está prestes a realizar o sonho da casa
própria.
O mesmo vem ocorrendo, no Judiciário, com o
reconhecimento da ilegalidade dos “juros pré-chaves”, “juros no pé”, “CM Repasse” ou qualquer outra
modalidade de juros imposta antes da entrega das chaves do imóvel e do efetivo
financiamento bancário do imóvel. Cada construtora chama de um jeito, mas cobrar
do consumidor ou repassar os custos do financiamento que a construtora fez com o
banco para o adquirente é um verdadeiro
absurdo.
As duas práticas acima referidas vinham sendo
aceitas pelos Tribunais, pois são “comuns” nos contratos com as construtoras,
mas a situação anda mudando, pois, apesar de ser praxe a imposição de tais
contratações, a prática é abusiva, ilegal e há muito tempo já rechaçada pelo
Código de Defesa do Consumidor.
A questão é bastante simplória :
O que é correção
monetária? É o valor devido por quem usa o dinheiro de outrem a fim de que o
mesmo não seja perecido pela desvalorização da moeda, correto? Pois
bem
: por acaso
os
consumidores utilizaram-se de
dinheiro da construtora ou foi a construtora quem usou dinheiro
dos
consumidores?
E o que são juros? É o
valor devido por quem usa o dinheiro (ou crédito) de outrem em proveito próprio,
a fim de que o mutuante receba uma “remuneração” pelo uso desse capital. Pois
bem: por acaso
os
adquirentes utilizaram-se de
dinheiro da construtora ou foi a construtora que usou
dinheiro
dos adquirentes?
Ainda mais
grave
fica a situação quando esses juros
continuam sendo cobrados e,
na verdade,
quem está em atraso é a construtora. Nesse caso nem os juros remuneratórios nem
mesmo o INCC são devidos !
Por que o consumidor teria que pagar juros “do
próprio dinheiro” por causa do atraso da construtora ?? É insano reconhecer que
só porque tal cobrança consta em contrato possa ser tida como legal. E é
justamente isso que os juízes, alertados pelas mais recentes teses dos
escritórios especialistas, tem percebido nas ações propostas contra as
construtoras.
Na maioria das vezes, o adquirente chega no stand
de vendas e o corretor já está lá... ou seja, não é comprador quem contrata os
serviços e sim a construtora!
Mas, infelizmente, na prática, quem acaba pagando a
comissão ? O adquirente... e o pior ocorre quando essa contratação é camuflada,
pois é comum os corretores dizerem que o valor “faz parte da entrada do imóvel”.
Já não era sem tempo, mas também em relação a essa
venda casada, os juízes já estão
decidindo em favor do consumidor.
A decisão que vamos divulgar agora ilustra bem essa
mudança de pensamento que, após árduo trabalhos dos especialistas na matéria,
vem sendo adotada pelo Judiciário.
Eis as palavras do corajoso juiz Danilo Mansano
Barioni sobre as ilegalidades da Construtora em uma ação (Processo nº:
0171499-29.2012.8.26.0100 – SP) recente, de Dezembro de 2012 :
“Não
é assim que a banda toca, ao menos não no coreto do Código de Defesa do
Consumidor.”
“Ainda,
a prática espúria conjunta de
construtoras, corretoras, administradoras, imobiliárias e empresas de suposta
mediação e assessoria técnica de “empurrar goela abaixo” do consumidor serviços
vinculados ao contrato de compra e venda de imóvel não é
nova”
Processo nº:
0171499-29.2012.8.26.0100
Classe - Assunto Procedimento Ordinário -
Interpretação / Revisão de ContratoRequerente: Anderson dos Santos
Requerido: (OMITIDO)
A dvogada : Vanessa Baggio -OAB SP 211887
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Danilo Mansano Barioni
(...)A
relação estabelecida nos autos é de consumo,
não
há dúvida. O documento de fls. 52, qual seja, a
proposta de preço e condições de
pagamento do apartamento adquirido pelo autor,
chamariz para as vendas e que
determina o fechamento do negócio, efetivamente,
antes mesmo da assinatura do
contrato, é firmado em papel timbrado da (OMITIDO),
ou seja, da ré.
Obviamente isto não é feito sem propósito.
Sabe a ré que, que se arvora à condição de uma das
maiores incorporadoras da América Latina, que assim inspira credibilidade nos
consumidores, credibilidade esta determinante à consecução do negócio e que não
inspirariam as inúmeras sociedades
de propósito específico (SPE) que cria a cada empreendimento novo que pretende
erigir, exatamente no intuito de limitar sua
responsabilidade.(...)
O problema não está em criar SPE, pois a tanto
estão
autorizadas pela legislação civil.
O que não se pode admitir e a lei não autoriza,
sobretudo o microssistema erigido pelo CDC, é que a ré se valha de seu nome para
divulgar e vender seus empreendimentos e após isto, na hora de eventual
responsabilidade, pretenda usar a brecha legal para se ver livre de
qualquer
responsabilidade.
do Código de Defesa do
Consumidor.
Aos bônus da utilização da utilização de sua
marca,
seu nome, qual seja, a credibilidade determinante na comercialização dos
empreendimentos, somam-se, inexoravelmente, os ônus, consistentes na
responsabilidade por eventuais danos causados aos
consumidores relacionados ao
específico
empreendimento.
Têm a ré, portanto, legitimidade passiva, para
todos
os pedidos, pois o valor da taxa SATI objurgado
nestes autos é vinculado ao
compromisso de compra e venda.
(...)
Doutra parte, a jurisprudência do E.
SuperiorTribunal de Justiça já se pacificou no sentido de que não é devida, por parte das
construtoras, a cobrança dos chamados “juros no pé”, que são os juros
remuneratórios incidentes sobre parcelas que se vencerem durante a fase de
construção da obra.
Neste sentido:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA
E
VENDA
DE IMÓVEL. COBRANÇA DE JUROS COMPENSATÓRIOS DURANTE A OBRA. "JUROS NO PÉ".
ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE EMPRÉSTIMO, FINANCIAMENTO OU QUALQUER USO DE
CAPITAL ALHEIO. 1. Em contratos de promessa de compra e venda de imóvel em
construção, descabe a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das
chaves do imóvel - "juros no pé" -, porquanto, nesse período, não há capital da
construtora/incorporadora mutuado ao promitente comprador, tampouco utilização
do imóvel prometido. 2. Em realidade, o que há é uma verdadeira antecipação de
pagamento, parcial e gradual, pelo comprador, para um imóvel cuja entrega foi
contratualmente diferida no tempo. Vale dizer, se há aporte de capital, tal se
verifica por parte do comprador para com o vendedor, de sorte a beirar situação
aberrante a cobrança reversa de juros compensatórios, de quem entrega o capital
por aquele que o toma de empréstimo. 3. Recurso especial improvido.
(STJ,
4ª. T., REsp 670117 / PB, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
14/10/2010
Ainda,
a prática espúria conjunta de construtoras, corretoras, administradoras,
imobiliárias e empresas de suposta mediação e assessoria técnica de “empurrar
goela abaixo” do consumidor serviços vinculados ao contrato de compra e venda de
imóvel não é nova,
e vem sendo há muito
condenada na jurisprudência, como ilustra o seguinte aresto:
“Cobrança
de serviços de assessoria
técnicoimobiliária
(SATI) Ausência de informação clara e precisa sobe o serviço
prestado Cobrança indevida, conforme o art. 31 do
CDC. Restituição do valor e
em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.” (Ap. 367.321-47-00, 7ª
Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Elcio Trujillo, J. 11/11/2009).
O autor jamais procurou qualquer corretora,
nem
tampouco há comprovação de que lhe tenha sido
disponibilizado qualquer serviço de
assessoria técnico imobiliária (SATI), mas sim a
ré. Fecharam o negócio e, entre
o calhamaço de documentos que lhe foram
apresentados estavam os documentos que dão ar de regularidade formal à
contratação dos serviços de corretagem e
assessoria técnico-imobiliária, sobre os quais, na
prática, não recebeu qualquer
explicação, orientação, alerta, nada.
(...)
A
restituição dos valores pagos a este título,
portanto, também se
impõe.(...)
São decisões como essa que nos inspiram a continuar
lutando em favor dos consumidores e enfrentando o poderio econômico das
construtoras desse país !